Para os crentes,
a oração é a construção de uma linha direta com Deus, enquanto que, para os
ateus, é um tempo perdido e nada divertido. E no meio dessas perspectivas,
existem outras, como os que oram por medo do inferno ou motivados por desejos
(as famosas "orações pedintes"), mas não é nessas searas que quero me
meter.
Esses
dias, fiquei pensando no quanto de química existe na oração. Afinal,
tudo que fazemos ativa e desativa substâncias corpo afora; desde uma olhada tímida
para a lua até o ato de correr na maratona de são silvestre. Essas coisas
objetivas que fazemos inevitavelmente despertam químicas, talvez desconhecidas
por nós, que percorrem as tantas rotas do nosso pequeno grande organismo.
Acreditamos ter
controle sobre essas químicas. Corremos e fazemos amor porque buscamos
endorfina. Saltamos de uma ponte amarrados numa corda de rapel querendo adrenalina.
Só que nem sempre temos o controle esperado. Você se mata de estudar para
aquela provinha cabeluda, e, veja só, acaba ficando tão nervoso que erra tudo!
Ou perde a noção do que fazer quando encontra um tigre no meio da rua de casa
(digamos que ele tenha fugido do zôo, só para deixar o exemplo menos surreal).
De certa forma,
orar envolve não um controle, mas talvez um direcionamento dessas químicas, por
ser um exercício consciente de amor ao próximo e de louvor. Em um mundo
tão objetivo e materialista, o ato de orar pode até ter algo de pitoresco, mas
é algo que libera substâncias em nossos corpos como qualquer outra atividade do
nosso cotidiano.
Nessa
perspectiva, pode-se pensar que ter fé e incluir a prática espiritual nas
nossas vidas pode ser tão pragmático quanto comer um pacote de biscoito. Tudo
bem que é algo que você possa anotar na agenda e fazer, mas, convenhamos, é um
bocado difícil abrir mão do cineminha ou da balada para passar alguns minutos
ou horas orando pela humanidade. É um pragmatismo pouco usual, que só parece
fazer sentido quando se tem fé.
Mas, para não
fugir do ponto nevrálgico das minhas reflexões, talvez hajam químicas que só a
oração libera em nosso corpo... ou não?
Bem, não. Muitas
pessoas que tomam LSD alegam ter sentido a presença de Deus. Na verdade, já
houveram ashrans de monges e líderes espirituais que usavam o LSD para acelerar
um processo de autoconhecimento e de prática religiosa. Como leigo, imagino que
o ato de tomar ácido lisérgico possa liberar em nós uma enorme quantidade de
químicas semelhantes às do momento de uma oração sincera. Só que tanta
facilidade em ir de encontro até o Criador pode custar caro, uma vez que o
próprio corpo e a mente do sujeito quase nunca estão preparadas para um
vislumbre tão magnífico. A prática do ioga, por exemplo, tem como um dos
objetivos preparar corpo e mente para o instante derradeiro da iluminação,
quando o discípulo torna-se um bodhisattva. O equivalente ao caminho da
oração para o catolicismo, que leva o indivíduo à santidade. Por
"preparar", me refiro a um fortalecimento do ego – corpo e mente da
pessoa cada vez mais fortalecidas, até o instante em que o próximo passo seja
abandonar-se para adentrar ao nirvana ou ao céu.
A ciência tem
cada vez mais flertado com a espiritualidade, desde a física quântica até a
descoberta da dinâmica do Bóson de Higgs. Não me atreverei a escrever sobre
essas áreas que pouco conheço, mas acredito que, quando se abre para tais
fenômenos, o cientista está cada vez mais próximo do artista ou do monge – só
que o paradoxo é que ele não deixa de ser cientista. Só se amplia o escopo e a
função.
Jung (sujeito
extremamente empírico, mas que o senso comum cristalizou como um místico) dizia
que sua autobiografia "Memórias, Sonhos, Reflexões" frustraria
leitores que procurassem fatos, datas, e informações muito objetivas (na
psicanálise junguiana, se diria que é um perfil típico de um leitor
"extrovertido"). Porque a trajetória dele é para dentro, é
interna, introspectiva. Jung buscava entender não só o simbolismo do elemento
sagrado e espiritual, mas também sua organicidade (afinal, era psicólogo, e
médico de formação).
Ao pensar nas
químicas corporais que percorrem o corpo (esse pequeno mundo que é parte de
nós), percebe-se uma responsabilidade parecida com a do homem no planeta:
podemos tanto fazer guerras, quanto fazer cidades, e, se possível, construir
templos e igrejas. Dentre outras vocações, nosso corpo pode ser um templo. As
forças que a oração libera são tão orgânicas quanto sobrenaturais. É como se a
escolha da palavra ("no início era o verbo"...) e da atitude fossem
chaves de portões, que, quando abertos, liberam jatos químicos sobre as veias,
criando mosaicos de paz e serenidade sobre nossa percepção.
20out2013
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